Achei interessante partilhar hoje este texto de Francisco Ferraz
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Qualquer manifestação política verbal não pode prescindir da clareza, sob pena de não ser entendida pelos eleitores. E uma das palavras mais usuais à linguagem do poder é futuro. Aprenda a falar sobre ele de maneira factível
Não há regra mais importante na comunicação política do que clareza. A política depende do falar: discursar, argumentar, conversar etc. Não basta, entretanto, a palavra para que o candidato diga o que quer, da forma que bem entender. Se ele não falar de maneira a ser entendido pelos eleitores, sua comunicação não vai funcionar. A comunicação, nunca é demais repetir, "não é o que você quer dizer para os outros, mas aquilo que os outros estão interessados em ouvir", na feliz expressão de Ogilvy. Como se usa, na comunicação política, a mesma linguagem usada na comunicação convencional – nas conversas em família, com amigos, no trabalho, no lazer – os conceitos políticos incorporam um grau de ambigüidade muito alto. Diferentes pessoas, numa discussão, por exemplo, usam o mesmo termo com significados diferentes - em certos casos, inclusive opostos. O conceito de poder carrega um significado político muito diferente do que quando aplicado às relações familiares, afetivas, de trabalho, associativas etc.
A linguagem política não guarda qualquer semelhança com aquela empregada na medicina
Nesse aspecto, a linguagem política se diferencia radicalmente daquelas usadas em outras especialidades e profissões - como na física, na biologia, na medicina, na engenharia, no direito, na economia, etc. Estas áreas do conhecimento possuem uma terminologia que só os iniciados nela entendem, depois de um período de treinamento e estudo. Seus termos e conceitos possuem significados claros, não ambíguos, além de conterem referências externas observáveis e previamente descritas, o mais das vezes, de forma quantitativa - fenômenos, sintomas, eventos e comportamentos, por exemplo. Assim, no mundo da medicina, uma convulsão, por exemplo, possui uma descrição sintomática precisa, permitindo a qualquer médico que a observe chegar ao mesmo diagnóstico, dando ao fenômeno o mesmo nome. Tal não ocorre na política, cujos termos mais importantes ao desenvolvimento de teorias e a análise e descrição dos eventos são fartamente partilhados com o senso comum. Atente-se, por exemplo, para a universalidade de uso de conceitos como poder, influência, conflito, interesses e consenso, tão usados na linguagem comum e, por outro lado, tão centrais para a política.
Futuro
O termo futuro é muito usado na política. Os discursos de governantes e de opositores a todo momento referem-se a ele ora como esperança, ora como época de dificuldades. Muito cuidado ao utilizar a palavra futuro na comunicação com o eleitor, uma vez que quanto mais baixo seu nível sócio-econômico, mais distante, remoto e até irrelevante parecer-lhe-á o futuro. Soa-lhe muitas vezes como uma desculpa antecipada para o candidato se justificar pelo que não fará, caso seja eleito, mesmo que o tenha prometido. O futuro na campanha eleitoral é muito próximo (de um a dois anos e, no limite, até quatro anos para certos projetos e providências de realização complicada). Ao falar sobre o futuro próximo, o candidato pode anexar algo sobre um prazo mais longo. Mas isso deve ser pintado como grandioso, sem ser utópico.
O eleitor, por definição, não quer esperar pelos projetos que ele próprio escolheu
Jamais se deve esquecer que o eleitor é imediatista. Ele sabe que a convergência que faz o político (pessoa importante) procurá-lo (pessoa comum) é ocasional, curta, não duradoura e incerta. Por isso, espera resultados imediatos e críveis. É preferível oferecer menos do realizável a curto prazo, do que muito do que já foi muitas vezes prometido e não realizado - ou do que pareça-lhe pouco provável de realizar no curto prazo. O período da promessa crível em uma eleição é o mandato. Ao fim deste, havendo a possibilidade de reeleição, pode-se então extrapolar os objetivos para o próximo período. O contato com o eleitor deve ser estabelecido a partir da realidade atual, quando as melhorias podem ser julgadas como realizáveis ou não. É mais prudente prometer menos do que se sabe que vai realizar - e, quando se entrega a obra ou realização, deve-se divulgar fortemente que se fez além do prometido, pela capacidade administrativa e pelo bom uso do dinheiro público.
Além disso, é conveniente realizar-se aos poucos a obra ou projeto, para valorizá-la, manter um ritmo de mudança contínua e fazer com que as pessoas acompanhem a execução do início até o seu fim. Se tudo for concluído logo, passados alguns anos do mandato as pessoas não mais a valorizarão como uma realização nova, uma conquista, uma demonstração de capacidade da sua gestão. Acostumadas com ela, a sensação que têm é que aquilo já não conta muito politicamente a seu favor. Aquela realização está prestes a se encaminhar para o esquecimento das circunstâncias de sua implementação.
Aqui é impossível não recordar Maquiavel, quando diz, em O Príncipe: "O mal deve ser feito de uma só vez, mas o bem deve ser feito aos poucos, porque as pessoas esquecem o bem que lhes foi feito com muita facilidade".
Francisco Ferraz
Editor Responsável: Francisco Ferraz