Blog sobre Moçambique

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Sobre a Dolarização da Economia de Moçambique - Bruno Almeida

Depois de umas "férias" na blogosfera, estou de volta, ainda na ressaca e um pouco desactualizado das últimas evoluções nesta rede social. Alguns emails que me cairam no correio electrónico questionavam se eu tinha "desistido" de blogar sobre a economia de Moçambique.... 
Volto com a entrevista que o meu amigo e consultor Bruno Almeida concedeu recentemente abordando a Dolarização da Economia no caso de Moçambique. foi a melhor maneira que encontrei para voltar, mesmo que ainda consumido pela ressaca das "férias"...
Vale a pena ler...

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BRUNO ALMEIDA FALA SOBRE A DOLARIZAÇÃO DA ECONOMIA MOÇAMBICANA

1.       Até que ponto a “dolarização” da economia é grave, considerando o caso de Moçambique?

A dolarização da economia moçambicana, como qualquer outro fenómeno que mexe com a nossa identidade, é muito preocupante, e há necessidade eminente de se combater este fenómeno. No entanto, este combate apresenta algumas medidas restritivas que podem colocar em perigo o curso normal da economia. Tal é o caso da restrição à moeda estrangeira que dá mais azo ao mercado paralelo. Moçambique tem envidado esforços para combater este fenómeno. O facto é que os nossos empresários atrelam-se à uma moeda de referência, neste caso o dólar, devido a conjuntura económica do nosso país, em que ainda não temos uma moeda forte capaz de competir com as outras. Nós dependemos em mais de 50% de importações, temos que ver esta questão com muito cuidado.


2.       O nosso país encontra-se numa situação de “desdolarizar” o mercado?

Desdolarizar? Temos estado a fazer há anos. Impossível é tomarmos medidas drásticas e com efeitos imediatos em relação a este aspecto. Já referi que nós dependemos em mais de 50% de importações, é preciso ter cuidado com políticas drásticas em relação a desdolarização. Veja, se o Sr. é empresário e toda a matéria-prima para sua indústria é importada, imagina quantos milhares de meticais teria de gastar para pagar a devida importação se estivesse numa situação em que não teria a divisa para o devido pagamento? Uma vez que a nossa moeda ainda tem um peso reduzido em relação as outras moedas internacionalmente fortes.
Temos que fazer as coisas com calma, a desdolarização tem que ser gradual e sustentada, paralelamente, com o aumento da produção, com a abertura de mais indústrias no país, com uma boa gestão das indústrias já existentes, etc.

Pese embora a tendência do nosso mercado seja um pouco controversa, pois parece estar a ficar moda fixar a maioria dos preços em moeda estrangeira.

3.       Que impacto é que tem a violação da medida que obriga a fixação dos preços e da facturação em moeda nacional?

Do lado da economia/nação o impacto é claro:
·         Perda de parte da nossa identidade. A moeda é o símbolo da soberania de uma nação, é o símbolo da nossa identidade;
·         Dificulta o controlo e a estabilidade dos indicadores macroeconómicos (inflação, taxa de câmbio entre outros)
·         Aumenta os custos de transacção para as empresas e os seus clientes, a medida em que tudo deve ser feito em metical e depois convertido em dólar.

NB: Adicionalmente leva-nos a perda de identidade da nossa moeda, remetendo-nos a falta de auto-estima.

Do lado dos empresários, o facto é que um dia serão penalizados por esta violação as regras estipuladas.

4.       Há países que mesmo usando o dólar tem uma economia forte e competitiva. Porquê, precisamos ter uma moeda forte para desenvolver?

Durante anos o dólar foi a suprema moeda de reserva e de comércio. É uma moeda extremamente forte. Esses países certamente que tem níveis de produção altamente elevados e as exportações são significativas, que não é o nosso caso. Uma das funções da moeda é a de meio de troca. Se o meio de troca não é poderoso em relação a valor do bem/serviço que se pretende, temos que gastar mais unidades do tal meio de troca (moeda-metical) para poder adquirir o determinado bem. Daí que há necessidade sim de ter uma moeda forte para desenvolver, não obstante o facto de uma moeda forte atrair o investimento. Pois, os investidores estarão seguros de que não estarão a investir os seus activos numa economia que os poderá desvalorizar com facilidade.

5.       Alguns círculos sugerem que o Banco de Moçambique está a desvalorizar o Metical para atrair as exportações, abaladas pela crise financeira o ano passado. Acha que este argumento é válido?

Sou céptico quanto a esta assumpção. Pode ser e pode não ser. Melhor opinião só poderá vir do Banco de Moçambique.

Todavia, importa-se referir o seguinte. O Bancos Centrais, por vezes ao pretenderem estimular as exportações dos respectivos países podem depreciar a sua moeda (aumentando a taxa de câmbio) por um determinado período de tempo.

Obviamente que existem outros métodos para estimular as exportações:


·         Temos que construir relacionamentos. Outros países têm hábitos e culturas diferentes, e uma boa relação com importadores pede uma dose de conversa e mente aberta.
·         Temos que personalizar os produtos. Fazer uma pesquisa de mercado para modificar os itens que pretendemos vender, de acordo com as normas do país de destino;
·         Etc

O importante seria primeiro entender se Moçambique exporta porque o produtor vende no exterior ou porque o importador vem comprar no nosso mercado? É discutível.

6.       Neste ponto, gostaria que acrescentasse outros aspectos que julga importantes.

Possivelmente a nossa legislação poderia abrir uma excepção para algumas entidades. Note que somente empresas que detém maior parte das suas transacções relativas a compras de insumos com o exterior é que se justifica a dolarização dos seus serviços, para evitar incorrerem em prejuízos acumulados, decorrentes das flutuações cambiais.

Caso contrário é absurdo! Valorizemos a nossa moeda, usemos o metical... É orgulho moçambicano. É símbolo da nossa identidade.


Bruno Almeida In "O País" 

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